Jesus é o Senhor
Nascido em Breslau, na Alemanha,
em 4 de fevereiro de 1906, Dietrich Bonhoeffer foi teólogo, pastor luterano e
um dos mentores e signatários da Declaração de Bremen, quando, em 1934,
diversos pastores luteranos e reformados formaram a Bekennende Kirche (Igreja
Confessante), rejeitando desafiadoramente o nazismo: Jesus
Cristo, e não homem algum ou o Estado, é o nosso único Salvador.Seus últimos
dois anos foram vividos na Prisão Preventiva do Exército em Tegel, até que, em
9 de abril de 1945, pouco tempo depois do suicídio de Adolf Hitler e
apenas três semanas antes que as tropas aliadas libertassem o campo, foi
enforcado em virtude de seu engajamento na resistência anti-nazista.
O pensamento de Bonhoeffer figura
entre as páginas imprescindíveis para quem deseja superar os estreitos limites
da religião como sistema organizado e institucionalizado e experimentar o poder
do evangelho. Poucos pensadores foram capazes de discernir tão claramente que o
Cristianismo é a superação da religião, isto é, extrapola quaisquer sistemas
organizativos da vivência espiritual e da relação com o sagrado e o divino.
Bonhoeffer nos ajuda a
compreender que o cristianismo não é uma religião que se apoia na realidade
metafísica para fugir da realidade desse mundo. Isto é, o cristianismo não é a
afirmação de outro mundo (o céu depois da morte) em detrimento desse mundo em
que vivemos. O cristianismo não é, também, uma religião que valoriza a
interioridade da alma, em oposição à exterioridade da história, nem tampouco
que se ocupa do individualismo e da autosatisfação egoísta, em detrimento do
compromisso concreto da vida voltada para o próximo. Também não é, o
cristianismo, compreendia Bonhoeffer, uma religião que fragmenta a realidade e
a divide entre sagrada e profana, optando por se dedicar apenas à dimensão
considerada sagrada.
Para Bonhoeffer, Deus não se
revelou por meio de um homem religioso, mas sim por meio de um homem; não em um
sacerdote, mas em um homem comum; não no espaço sagrado, mas na vida cotidiana.
Mas os fariseus e os peritos na lei rejeitaram o propósito de Deus para eles,
não sendo batizados por João. A que posso, pois,
comparar os homens desta geração?, prosseguiu Jesus. Com que se parecem?
São como crianças que ficam sentadas na praça e gritam umas às outras: Nós lhes tocamos flauta, mas vocês não dançaram; cantamos um lamento,
mas vocês não choraram. Pois veio João Batista, que jejua e não bebe vinho, e
vocês dizem: Ele tem demônio. Veio o Filho do
homem, comendo e bebendo, e vocês dizem: Aí está um comilão e beberrão, amigo
de publicanos e pecadores.[Lucas 7.33,34]
Jesus era contado entre os não
religiosos. Vivia à mesa com pecadores. Transitava livremente pelos ambientes
profanos e mundanos, como se sagrados fossem, e, quando penetrava os espaços
sagrados e religiosos, fazia ares de asco e nojo, como quem pisava solo profano
e mundano. Jesus Cristo é Deus feito homem. Isso deve ser suficiente para
elevar a condição humana à altura da dignidade divina. Da mesma maneira,
considerando que Deus é não apenas criador, como, também, redentor de todas as
coisas e dimensões da vida humana, a totalidade da vida humana deve ser lugar
de sua presença, participação e expressão. Isso quer dizer que devemos seguir a
Jesus Cristo, não por meio da prática dos ritos religiosos, sob a autoridade de
uma elite religiosa, em lugares e momentos especiais e esporádicos, mas vivendo
plenamente nossa humanidade, nas circunstâncias e contingências da vida como
ela é. A encarnação de Deus em Jesus Cristo é afirmação de que devemos assumir
também nossa plena humanidade e assim viver para a glória de Deus.
A presença de Deus no mundo dos
homens é a afirmação de que o evangelho não é coisa de outro
mundo, não está contido no interior do coração, nem divide o mundo em
partes conflitantes, as puras e as imundas. A incursão de Deus para dentro da
humanidade é afirmação de que não devemos, não podemos e, melhor ainda, não
precisamos separar a vida em dimensões: esse mundo versus o outro mundo; o
espírito e o corpo; o sagrado e o profano.
A correta compreensão da pessoa,
vida e obra de Jesus Cristo nos liberta para vivermos no mundo, mesmo não
pertencendo ao mundo, sem, contudo, desprezar o mundo. Foi por causa disso que
Bonhoeffer escolheu conspirar contra o nazismo, o que o levou à prisão e,
posteriormente, à morte. Fato estranho e opção escandalosa para a maioria dos
cristãos, não apenas de sua época, como também de hoje. Mas absolutamente
coerente com a convicção de que Deus está não apenas interessado em tudo quanto
acontece nesse mundo, como também engajado em enfrentar e destronar todos
quantos se levantam para infernizar esse mundo e fazer dele menos humano e,
portanto, menos divino. Jesus Cristo é o Senhor: aqui, ali e além, antes e
agora, e para todo o sempre. Amém
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